Muito se tem dito sobre a experiência do isolamento e seus reflexos sobre a saúde mental dos indivíduos “confinados”. Dentre todos os grandes impactos, de rotina de trabalho, de cuidados com a casa, com os filhos, com os animais, talvez haja uma pequena mudança que passe despercebida, mas que pode contribuir para nossa sensação de confinamento, a diminuição dos nossos estímulos sensoriais. Nós percebemos o mundo através de todos os sentidos, vemos, ouvimos, tocamos, sentimos o cheiro, provamos. Há uma quantidade limitada de sensações que nossa casa pode nos oferecer, mesmo com todo nosso esforço. A vista da nossa janela já se torna tão conhecida a ponto de conhecermos os prédios, casas, lojas de nosso quarteirão de cor, até aquele rachado no asfalto. Os sons, mesmo aqueles mais irritantes, fazem com que nos sintamos parte da cidade, no que ela tem de bom e de ruim. O som das pessoas conversando nos bares, das buzinas, dos talheres nos restaurantes. Hoje o som mais reconhecível é aquele produzidos pelas dezenas de motos que passam todos os dias, daqueles que trabalham para que possamos ficar em casa. Os cheiros também são limitados. Água sanitária, álcool, desinfetante, incenso. O cheiro que vem da cozinha pode variar bastante, mas sempre falta o cheiro daquilo de você às vezes nem sabe o que é, ou que nunca pensou em fazer. O mesmo vale para os sabores, às vezes só ir à padaria comprar um pão já se torna uma missão. Agora o toque…ah o toque. Não toque em nada, não toque em ninguém, não abrace seus pais, seus netos, seus amigos, proteja quem você ama mantendo-os longe de você, tão contraditório. Seria essa escassez sensorial uma das responsáveis pela sensação de estarmos vivendo o mesmo dia várias vezes, mesmo mantendo os mesmos compromissos de trabalho, as mesmas rotinas? Talvez…mas o que fazer? Não perder de vista o motivo pelo qual estamos fazendo isso, apurar nossos sentidos para aproveitar o que for possível e aguardar o momento em que poderemos nos banhar de cidade novamente.
