Por que tantas pessoas negam as mudanças climáticas? Uma leitura pela psicanálise

As mudanças climáticas são hoje amplamente reconhecidas pela ciência. O aumento da temperatura global, a intensificação de eventos extremos e a degradação ambiental já afetam diretamente a vida de milhões de pessoas. Ainda assim, mesmo diante de dados consistentes, uma parcela da população insiste em negar que essa crise esteja acontecendo ou em minimizar sua gravidade.

Mas por que isso ocorre?

Do ponto de vista da psicanálise, o negacionismo climático não pode ser explicado apenas como falta de informação ou ignorância. Ele envolve processos psíquicos mais profundos, ligados à forma como lidamos com angústias difíceis de suportar.

Negar não é o mesmo que questionar

Antes de tudo, é importante diferenciar negacionismo de questionamento científico. Questionar dados, métodos e conclusões faz parte da ciência. O negacionismo, por outro lado, é a recusa em aceitar fatos amplamente comprovados, sobretudo quando eles entram em conflito com valores, crenças e modos de vida já estabelecidos.

Essa recusa não surge do nada. Ela está ligada à necessidade de proteger uma identidade: aquilo que acreditamos sobre nós mesmos, sobre o mundo e sobre nosso lugar nele.

Mecanismos de defesa e angústia

Segundo a psicanálise, quando somos confrontados com algo que provoca angústia intensa, lançamos mão de mecanismos de defesa inconscientes. Eles funcionam como tentativas de aliviar o sofrimento psíquico, mesmo que, a longo prazo, tragam consequências negativas.

Anna Freud, ao estudar os mecanismos de defesa, destacou que eles entram em ação sempre que a angústia se torna difícil de tolerar. No caso das mudanças climáticas, essa angústia pode estar ligada a sentimentos de desamparo, perda de controle, medo do futuro e à percepção de que nossos modos de vida contribuem para a destruição do ambiente do qual dependemos.

O papel da denegação

Um desses mecanismos é a denegação, conceito desenvolvido por Freud em seu texto de 1925, A Negação. Na denegação, a pessoa até reconhece intelectualmente uma informação, mas recusa seu impacto emocional. É como dizer: “sei que isso existe, mas não quero que isso me afete”.

Aplicada ao tema climático, a denegação permite que alguém escute sobre aquecimento global ou colapso ambiental, mas continue vivendo como se isso não fosse real ou urgente. A informação está presente, mas desconectada do afeto.

Identidade, consumo e negação

A psicanalista Sally Weintrobe observa que a crise climática ameaça não apenas o ambiente, mas também identidades construídas em torno do consumo e da ideia de progresso ilimitado. Reconhecer a gravidade da situação implica aceitar limites, perdas e mudanças profundas no modo de viver — algo que pode ser vivido como uma ameaça à própria identidade.

Negar, nesse contexto, funciona como uma defesa contra a sensação de perder privilégios, conforto ou a fantasia de controle total sobre a natureza.

Por que o diálogo racional muitas vezes falha

Se o negacionismo está ligado à angústia, isso ajuda a entender por que argumentos puramente racionais frequentemente não funcionam. O problema não é apenas convencer alguém com mais dados, mas lidar com os afetos que esses dados despertam.

Quando a realidade é vivida como insuportável, negar pode parecer, ainda que de forma ilusória, uma solução psíquica.

Considerações finais

Compreender o negacionismo climático como um mecanismo de defesa não significa concordar com ele, mas reconhecer que se trata de uma resposta psíquica a uma realidade ameaçadora. A psicanálise contribui ao mostrar que enfrentar a crise climática exige não apenas informação, mas também espaço para elaborar angústias, lutos e perdas.

Sem isso, o risco é permanecermos presos a defesas que aliviam momentaneamente, mas aprofundam a crise a longo prazo.

Rolar para cima