O álbum DeBÍ TiRAR MáS FOToS, de Bad Bunny, marca um movimento claro dentro de sua trajetória artística: um retorno consciente às referências culturais, históricas e sociais de Porto Rico. Mais do que um novo lançamento, o disco se constrói como um trabalho de reafirmação identitária, tanto no plano musical quanto simbólico.
Ao longo das faixas, Bad Bunny recupera ritmos tradicionais da ilha — como a plena, a bomba e elementos da salsa — e os articula com o trap e o reggaeton que o tornaram um dos artistas mais populares do mundo. Essa combinação não aparece como exercício nostálgico, mas como atualização: a música tradicional é reinscrita no presente, alcançando novos públicos e preservando sua função cultural.
A plena, em especial, ocupa um lugar significativo no álbum. Historicamente conhecida como o “jornal cantado” de Porto Rico, esse ritmo sempre esteve ligado à transmissão de acontecimentos cotidianos, críticas sociais e experiências coletivas. Ao incorporá-la ao disco, Bad Bunny recupera essa função: falar do presente da ilha a partir da própria cultura, dando forma simbólica a uma realidade vivida.
Do ponto de vista psicanalítico, essa operação é fundamental. A constituição do sujeito não acontece fora da cultura: ela depende das referências simbólicas que organizam o laço social. Quando essas referências se fragilizam — seja pela precarização da vida, pela perda do território ou pelo esvaziamento cultural — o sujeito também se vê afetado. O álbum pode ser lido, assim, como uma tentativa de reinscrever referências em um contexto marcado pela instabilidade.
O disco dialoga diretamente com o contexto social e político de Porto Rico. Aparecem temas como gentrificação, crise energética, êxodo populacional e transformação do território. Bad Bunny afirma não buscar uma postura política explícita, mas reconhece que a política atravessa inevitavelmente a vida de seu povo — e, portanto, a sua própria. Essa afirmação encontra ressonância na psicanálise: ninguém está fora das determinações históricas e sociais que moldam sua existência.
Nesse sentido, DeBÍ TiRAR MáS FOToS mostra como o político não se restringe ao discurso institucional. Ele se manifesta no cotidiano, no corpo, nas condições materiais de vida e nos afetos. A música se torna, então, um modo de elaboração simbólica dessas experiências — uma forma de dar palavra ao que, muitas vezes, aparece apenas como sofrimento difuso.
Outro eixo central do álbum é a valorização dos laços afetivos e comunitários. As músicas evocam tanto a família de origem quanto a família que se constrói ao longo da vida (amigos, parcerias, redes de pertencimento). Na psicanálise, sabemos que o sujeito se sustenta nesses vínculos: são eles que oferecem continência psíquica diante das perdas, das rupturas e das transformações impostas pela realidade.
Em um mundo cada vez mais marcado pelo vazio, pela aceleração e pela superficialidade das relações, o álbum aposta na permanência: do território, da cultura e dos laços. Esse gesto pode ser pensado como profundamente subversivo. Não no sentido de um discurso militante, mas como uma recusa à lógica que empobrece a experiência subjetiva e rompe as referências simbólicas.
Assim, DeBÍ TiRAR MáS FOToS pode ser compreendido como um trabalho que articula memória, história e identidade em um mesmo movimento. Ele não apenas revisita o passado cultural de Porto Rico, mas o reinscreve no presente, criando continuidade onde há risco de ruptura.
Sob uma leitura psicanalítica, o álbum mostra que cultura, pertencimento e afeto não são adornos da vida psíquica, são seus sustentáculos. Quando esses elementos se perdem, algo do sujeito também se perde. Quando são retomados, abrem-se possibilidades de elaboração, reconhecimento e permanência.
Mais do que um sucesso musical, o disco se afirma como um gesto de inscrição simbólica: uma tentativa de manter viva a ligação entre sujeito, território e laço social em tempos de fragilidade das referências coletivas.
